terça-feira, 28 de abril de 2009

Voltar.


~Um ano atrás~
6 de agosto de 2002.

Por ali estava escuro, a não ser por alguns feches de luz que se incomodavam a chegar para iluminar a casa de madeira, que era pequena, e a primeira vista parecia realmente desconfortável. Algumas plantas cresciam ao seu redor, não dava pra ver se era mato, ou algumas trepadeiras. Algum tipo de musgo estava nas telhas, deixando o local verde escuro, e úmido... Realmente não era agradável.
Algumas batidas na porta empoeirada ecoaram. Nenhuma resposta foi obtida. Mais algumas batidas. Dava para ouvir passos pela casa, se você estivesse lá. A porta, que parecia ter sido feita a mão, como toda a casa , foi aberta com um barulho das dobradiças enferrujadas, arranhando e fazendo um som irritante. Havia um lampião em algum ponto da salinha atrás da porta, pois dava pra ver apenas um vulto do corpo de um homem não muito alto, que parecia ter acordado agora, pois estava com os ombros baixos quase como se estivesse sonâmbulo. Ele examinou o rosto do homem que estava a porta da sua casa e um pequeno sorriso brotou em seus lábios.
- O que faz aqui, a uma hora dessas. Se queria chegar assim, de supersa, que chegasse mais cedo.
- Eu não vim pra ficar, só queria conversar com você, Bruno. E queria vir a uma hora que Dorothy não estivesse acordada.
- Sinto que é algo importante, vai entrar?- Falou Bruno, se escorando com uma das mãos na porta. Estava sem camista e seu abdômen parecia um pouco suado pela noite quente de verão. O garoto tinha a aparência de um garoto de 16 anos, mesmo sendo robusto para aquela cara jovial. Seu rosto era quadrado, com um maxilar avantajado, e uma cicatriz rosa clara passava por cima de seu olho direito, e passava pelo contorno de seu nariz, e acabando em baixo do olho esquerdo, que brilhava no seu tom castanho avermelhado. Seu sorriso na escuridão, apenas mostrava os dentes brancos e alinhados.
- Não, só que preciso um favor seu, é muito importante.
- Lá vem você com seus favores,mano.
O jovem passou a mão nos cabelos negros e bagunçados, tentando ajeita-los , sem muito resultado. Engoliu a seco. Não sabia se seu irmão Bruno aceitaria ou não a sua proposta, pelo bem de seus próximos anos ali em Fayette.
- Eu queria que você e Dorothy se mudassem. – Ele falou em tom não muito audível, com a cabeça baixa.
- O que? Você acha que eu vou me mudar mais uma vez por sua causa, Allan? Você já não fez Dorothy sofrer de mais? Já não está satisfeito?
Bruno parecia irritado, porem não gritava,só falava baixo, quase aos sussurros. Realmente não queria acordar a doce e pequena dorothy.
- Meu irmão, Bruno. Por favor!
- Isso vai ser até quando? Ela realmente gosta daqui. Eu não vou impedir ela de voltar quando quiser.
-Pelo menos um ano. Por favor, eu imploro.
- Um ano, Allan. Um ano. Parece que não basta pra você todos os outros anos que já demos pra você se ajeitar! Pelo amor de Deus. – Bruno falava e ia se afastando. –
Até mais, irmão.
- Obrigada. Diga a Dorothy que eu a amo.
- Digo você mesmo, quando voltarmos.
A porta se fechou com um baque surdo, não muito alto. Allan encarou a porta por alguns segundos, e depois virou e continuou a andar para a floresta, pelo caminho que ele mesmo criara na Woodcarper. Seu andar rápido já estava parecendo quase uma corrida agora, parecia nervoso. Parecia que só queria deixar aquele lugar.

De volta a casa , Bruno não consegui dormir. Deitado na sua cama, no pequeno quarto sem iluminação que dividia com a pequena Dorothy, fitava o teto, um pouco preocupado com seus futuro e de seu irmão. Sabia que seria fácil convencer a irmã de viajar, pois era o que mais fazia. Mas ela ia querer voltar, em um ano no Maximo. Ele tinha certeza disso.

Bruno só percebeu que havia dormido, quando sentiu duas mãos quentes em seu rosto, falando baixinho.
- Bruno, acorde. Já são duas da tarde!
As mão delicadas eram de Dorothy, a agradável mulher nas feições infantis de uma menina de 9 anos de idade. Era ruiva, e seus cabelos compridos e cacheados vinham ate o meio das costas. Os olhos eram de um azul-claro profundo que pareciam ter sidos lindamente pintados em sua face, assim como a boca pequena e rosada. Tinha algumas sardinhas no rosto e não passava de m metro e quarenta de altura. Trajava um vestido azul, assim como seus olhos.
- Vamos Bruno, você tem que comer alguma coisa!- falava ela com uma voz fininha e encantadora, os cabelos dela caiam sobre o rosto do garoto, e isso provocava cócegas no mesmo.
- Ah Dorothy, você esta fazendo cócegas com essa sua Juba!
- Porque você é sempre tão grosso? – falou a menina, andando devagar e se sentando em uma cadeira perto da mesa, que era no mesmo cômodo que o quarto, afinal a casa inteira era apenas um cômodo. Mas ela não parecia aborrecida com o modo que ele falará,parecia conformada. Bruno sentou na cama, fitando a pequena e aparentemente delicada menina ruiva.
- Precisamos conversar, Dothy. – Ele começou, mas ela levantou uma mão no ar com um tom superior.
- Você acha mesmo que eu não estava acordada? Você as vezes realmente acha que eu sou essa menininha aqui? – Ela apontou para o próprio corpo. – Não se faça de tolo.
- Desculpe, Dorothy. Você vai se mudar comigo?
- é a ultima vez certo? Ele prometeu, não foi?
- Foi. – Falou Bruno fitando o chão. Mas realmente ele não sabia se devia confiar nas palavras de Allan, já que oscilavam tanto. – Disse que seria a ultima vez, e que um ano bastava.
Dorothy foi em direção a janela de madeira pira e as fechou num baque leve, e passou a tranca manual que elas tinham.
- Se temos de ir, vamos fazer logo, porque eu quero voltar o quão antes possível. Que dia é hoje?
- Acho que é 6 de agosto. –falou Bruno, se levantando cama , e pondo uma camiseta , que era social creme. Parecia de século passado, mesmo estando bem conservada.
- Então dia 6 de agosto do ano que vem, estaremos de volta. – Ela falou em um tom autoritário, e ele apenas deu os ombros e calçou os sapatos.
- Como quiser, Dorothy. Voltaremos daqui um ano.
E a porta se fechou por um ano.


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06 de agosto de 2003.
Todos nós andávamos por dentro da floresta, e conversamos enquanto caminhávamos até a clareira que Allan havia prometido. Não que estivesse escuro,mas as folhas densas da floresta faziam com que mesmo no sol de verão ficasse um pouco sinistra.
- Como está quente! – Disse Diulia, tirando a blusa de mangas três quartos que usava, ficando de shorts curtos e a parte de cima de um biquíni preto. Não que isso m incomodasse, mas achava meio vulgar, mas não a ponto de manda-la por de volta a blusa, pois realmente fazia calor, e eu já estava começando a suar.
Então, de repente Allan parou bruscamente, e pude ver Sandro batendo contra ele, pois estava distraído, conversando com Luciane.
- O que foi, cara?- Falou Sandro, olhando para o resto da trilha. – Algum problema, ou coisa do tipo?
- Não, é só que agora, vamos ter que cortar a trilha por mato a dentro.
- Como assim,mato a dentro? – Perguntou Giovanna indignada, e apontava para as próprias pernas. – Muito simples você dizer isso, porque não está de shorts e chinelo!
- Não foi eu que mandei você vir desse jeito, Gio. – Ele sorrio ironicamente. – é o único jeito, ou vamos pelo meio das arvores, fora da trilha, ou não vamos.
- E porque não podemos ir pela trilha, e cortamos caminho mais a frente? – perguntei, olhando pra ele, não entendendo porque cortar o caminho tão cedo, se ainda teríamos que andar mais a frente pra depois dobrar (eu ouvido ele falar para Sandro enquanto caminhávamos em silencio).
- Não me faça perguntas, garota – falou ele rispidamente, me deixando um pouco desconfortável – se querem um piquenique, - agora falou se direcionado a todos – é melhorem irem por eu estou falando. Vão por mim.
E fomos por ele. Sim, demorou mais uma meia hora para chegarmos a clareira. Não pude negar, como ninguém negou. Era linda, tinha a luz do sol e estava perfeitamente do jeito que qualquer um imaginava para um belo dia de piquenique. Enquanto eu e as gemas tirávamos as comidas das mochilas, Sandro ajudava Luciane, de um jeito romântico, a por a toalha comprida ao chão. Não é que eu sentisse ciúmes ou coisa do tipo do amor deles. Eu sentia...eu sentia um ponto de nojo. Não que eu não goste de meninos, ou coisa do tipo, é só que...eles eram tão diferente que..argh!
- Eu também acho. Falou Giovanna, olhando para o casal, jogando os cabelos pretos tingidos ( diferente dos cabelos loiros da irmã ).
- Como é?
- Não isso que você ta pensando, o quão meloso é esse romance? Porra, é nojento.
Eu não sabia se ria ou chorava por ela conseguir decodificar a minha mente, apenas assenti com a cabeça, tirando os olhos dos dois, e voltando a prestas atenção da minha tarefa de por os sanduíches em um prato branco.
Sentamos todos em um roda na toalha, rindo e conversando sobre todo o tipo de coisa. Eu realmente não sabia se eles faziam esse tipo de programa sempre, ou era só pra tentar impressionar a Prima da cidade da garota perfeita do campo. Mas mesmo que não fosse, a tarde foi realmente perfeita, e tudo bem que eu não conhecia eles muito bem, não sabia dos seus assuntos, eu fui bem recebida e gostava disso. Só que era muita informação ao mesmo tempo, eu acho. Lá, depois de passar umas duas oras, e me levantei e comecei a andar em direção a floresta, mas mesmo antes de sair da clareira, senti uma mão segurando meu braço firmemente e me puxar. Allan fazia eu ficar perto dele, como se estivesse grudada ao seu corpo. Agora eu sabia como irmãos siameses se sentiam.
- Aonde pensa que vai, - falou ele num tom frio, baixo, como se eu fosse uma inimiga ou coisa do tipo. – Lily?
- Eu vou...- Passei a mão livre nos cabelos, tirando os do rosto, precisei desse tempo pra pensar em alguma coisa. Tentei ser o Maximo de rude que pude, mas o Maximo que saiu foi uma voz fina e esquisita. – Eu vou no “banheiro”, posso?
- Não pode esperar?
-Você quer que eu faça nas calças? – falei num tom bravo, mas ainda cauteloso. E ele ainda olhou nos meus olhos, como se tivesse desconfiado, mas logo soltou meu braço (observação, ele foi muito rude.).
- Mas ande rápido, garota. Logo nós vamos ir embora, e não queremos perder ninguém por ai.
- Pode deixar, papai. – falei em deboche, passando a mão onde ele segurara.
Comecei a entrar a floresta a dentro, e a minha maior vontade era de chorar. Eu simplesmente odiava quando alguém agia daquela forma comigo, ainda mais quando eu nunca tinha nem se quer levantado a voz para a mesma pessoa. Isso me deixava muito, muito irada. Só pude perceber que estava correndo pela floresta com lagrimas nos olhos, quando não consegui desviar de uma arvore e bati com o ombro esquerdo nela,e caí sentada no chão. Coloquei o rosto entre joelhos e chorei mais. Sei que não tinha muito motivo, porque muitas pessoas na minha vida já tinha sido rudes,patéticas e coisas muito piores comigo, mas não tão rápido, e nem por nada. Mesmo com os olhos cerrados com força, as lagrimas escapavam por eles, e eu podia ouvir os meus próprios soluços,e então u ouvi uma voz. Uma voz de uma criança. E parecia tão animada e feliz, que por alguns instantes me fez sentir que nem ela, sem nenhuma preocupação, apenas feliz. Mas as risadas e as palavras baixar quase sussurradas pararam, como se alguém tivesse me acordado de um sonho bom, e logo os meus olhos já estavam se enchendo de lagrimas, e eu não as segurei, só voltei a chorar, sozinha no meio da floresta. Naquela época eu era tão infantil, que nem percebia o perigo que eu estava correndo.
Depois de alguns minutos calada, eu comecei a ouvir outras vozes, e cheguei a pensar que estava meio louca, ou que eles, os meus amigos, tinham saído pra me procurar. Levantei o rosto, limpando o choro com a blusa, e me levantei, olhando em volta.
Caminhei para o nada, seguindo os sussurros, que cada vez pareciam mais fortes, conversas mais nítidas. Podia até ouvir algumas palavras, rudes, e outras calmas, algumas risadas se me concentrasse bem. Até que vi uma clareira, no meio das arvores. Uma casa antiga estava ali. Era coberta por limo, e em certos lugares algumas trepadeiras. Parecia ter sido construída a mão, suas janelas eram talhadas. Uma criança ruiva saiu da casa correndo, e sorria, e eu me assustei, pulando pra trás de um arbusto, olhando entre as folhas. Ela devia ser a dona da voz angelical e infantil que eu tinha ouvido enquanto chorava. Logo atrás dela uma linda mulher loira, de cabelos encaracolados desde o topo da cabeça saiu atrás dela. O sorriso dela era cínico, o olhar cinza penetrante, assim como sua boca fina e incrivelmente rosa. Da onde eu estava não podia saber se era batom ou era a cor natural. Suas roupas eram simples, mas no corpo bonito dela pareciam sofisticadas de mais para um passeio na floresta. Ela pareceu olhar para o arbusto onde eu estava então me abaixei e fiquei de costas, esperando que não tivessem me visto.
- Viu aquilo, Dorothy?- Perguntou a loira, com uma voz fria. Não parecia falar com uma criança.
- Aquilo o que, Elle?
- Hm, nada. Esqueça. – Falou, eu não podia saber se ela estava ainda olhando pra cá, pois eu não me atrevia a me mover do chão, talvez só agora eu entendesse o perigo.
- Porque vocês estão paradas aí? – Falou uma voz masculina, não era grossa, mas não era infantil. Tinha um timbre interessante, e o sotaque forte britânico soava em cada letra que falava. – Porque não desfazem suas malas, hein?
- Não enche, Bruno.- Foi a pequena Dorothy que falou - Temos o resto de nossas vidas pra desfaze-las. A viagem foi longa, e eu estou cansada.
- É, Bruno. Deixe de ser tão controlador, e chato.
- Cale a boca, Elle. Ninguém te chamou na conversa.
- Vem calar você, franguinho.
Sabia que agora eles estavam demasiadamente ocupados discutindo, e então me ajoelhei atrás do arbusto vasto para espiar de novo. O garoto de estatura média e cabelos raspados, como se tivesse saído do exercito a pouco tempo estava agora encarando a loira. Seus braços cruzados no peito faziam parecer mais forte do que já demonstrava ser, e não tive tempo de ver a cor de seus olhos, pois me abaixei de novo em desespero, quando os mesmos olhos que eu ainda não sabia a cor entraram os meus. Tinha certeza que ele tinha me visto, e logo o ouvi gritar.
- Quem está ai? EI! Eu vi você!
Ele parecia irritado e intrigado porque eu não respondia. Eu estava assusta de mais, e agora me movia,engatinhando nervosa dali.
- Paradinha aí, garota! – Brandou a voz fria e cínica da loira alta, e eu fiz exatamente o que ela mandou, parei, ficando de quatro sobre as folhas secas em decomposição pelo calor do verão. – Vire-se.
Me virei lentamente, com os olhos um pouco assustados demais, e olhei para a figura contra o sol, loira, alta e linda, com as mãos na cintura. Estava mais certo de mim do que eu queria. Eu conseguia toca-la se esticasse a mão.
- Você estava nos espiando? – Falou a pequena ruiva, que saia de trás da loira, olhando-me interessada, com um sorriso fofo no rosto. Não parecia brava como a loira, ou como o garoto adolescente que agora estava ao lado, de cara fechada pra mim.
- Não, eu não estava! – Eu estava com as mãos levantadas, balançando-as. Parecia uma retardada mental ali, tentando me explicar.
- Ela é demente? –Perguntou a loira, agora fitando o rosto do Garoto, não mais rude, mais calmo.
- Eí! Não me chame de demente, eu não sou ok? – Falei, me levantando.
-Cale a boca!- Falou ela apontando pra mim - Não se aproxime.
A ruivinha revirou os olhos e se aproximou de mim, encostando em meu braço.Parecia me examinar, olhando meu rosto, meu corpo, como se eu pudesse ser algo que não parecia ser.
- Ta tudo bem, Elle. Ela só deve estar perdida, a deixe ir.
- Você está perdida? – Perguntou o garoto. Olhando meu rosto, agora ele sorria irônico.
- Eu só me afastei do um grupo, estávamos fazendo um piquenique, e daí eu me afastei. Mas eu já estava voltando. – Apontei pra trás com uma mão, enquanto com a outra limpava meu jeans sujo de terra molhada.
- Hm, tudo bem. Você sabe como chegar aonde quer chegar? – Acho que pelo meu rosto, ele pode perceber que estava totalmente perdida, sem saber pra onde tinha que ir. – Se quiser, eu posso te guiar.
Olhei para a ruivinha, e ela sorria pra mim, encaracolando uma mecha nos dedos. Depois fitei o rosto rude e forte da loira, que me olhava com desprezo.
- Não, está legal. Eu posso me virar.
- Te certeza? – Perguntou a menina sorrindo, com um rosto de inocência.
- Claro. – Eu já estava andando, em linha reta, para longe deles, até que ela de novo falou:
- A propósito! Somos os Vernecs.
- Ah, - Eu parei e me virei para olhá-los, e eles, todos, me olhavam. - Eu sou Lily. Lilian Simon.
Nenhum falou nada, então continuei a andar, sem olhar para trás. EU esperava que algum deles jogasse uma pedra, ou atirassem em mim. Seja lá o que eles faziam naquela casa, morassem ou traficavam drogas, era estranho. E o sobrenome, eu não sabia. Mas parece que eu já tinha ouvido, em alguma conversa com meus “novos amigos” ou lido em uma revista, eu já simplesmente não sabia.
Depois de andar mais uns 20 minutos ouvi alguém gritar meu nome, e gritei em resposta um “aqui!”. Era Allan que gritava, e agora ele corria feito um loco em minha direção. Com força, ele me pegou pelos dois braços de frente, e me encostou com uma incrível violência contra uma arvore.
- Allan, pare com isso! Ta machucando, seu idiota!
- Onde você estava? Porque se afastou?
- Eu só me perdi... AÍ! Para de me apertar! –Mas simplesmente ele não parava, parecia que quando eu pedia para ele parar, ele provocava e apertava mais forte.
- O que eu tinha falado pra você, Lilian? HEIN? O QUE EU TINHA TE PEDIDO?
Ele gritar daquela forma, com ar desesperado e decepcionado comigo, me fazia também entrar em desespero, e ficar ofegante. Achava estranho, porque só ele me tratava assim, como se eu fosse sua irmã mais nova, ou coisa do tipo, e era só a mim que ele tratava desse jeito. Meus olhos encheram de lagrimas, mas não era pelos braços que ele apertava, mas pelo jeito que gritava, ou rugia pra mim. Ao me ver chorar, ele soltou meus braços, e me envolveu num abraço, e isso me fez sentir esquisita. Que tipo de homem ele era?
- Me perdoe. Eu só fiquei preocupado. EU me exaltei.
- Me solta. – falei numa voz baixa e melosa pelo choro.
- Como é?
- ME SOLTA!
Fali quase gritando, e ele fez o que eu pedi, me olhando sem expressão no rosto. Limpei, pela segunda vez as lagrimas na minha blusa. Ele se virou, e agora em nossa direção corria Sandro, acompanhado de Mauricio. Sandro correu pra mim, olhando meu rosto ainda um pouco molhado pelas lagrimas.
- Porque está chorando, Lily?- Como eu não respondi, ele olhou para Allan e parecia agora com raiva – Porque ela está chorando, Allan?
- Eu não sei cara, ela que devia responder pra você. – Allan falou levantando os ombros, e saindo em direção a clareira, que dava ser vista da onde estávamos. Mauricio me abraçou pelos ombros, e olhou meu rosto.
- Você ta legal? Ele fez alguma coisa?- Ele perguntou.
- Não, eu to bem. Eu só me perdi e fiquei nervosa...
- Tem certeza, Lilian? – Perguntou Sandro, ainda olhando as costas de Allan.
- Tenho. Vocês podem me levar pra casa? Estou um pouco cansada.
- Claro. Vamos.
E fomos, depois de um pouco de caminhada, e de algumas perguntas vidas dos outros, chegamos ao carro, e todos calados fomos até a frente de minha casa, onde desci da pick-up. Alguns sorriram pra mim, outros nem olharam enquanto eu descia, parecia que eu tinha estragado a tarde deles. Olhei pro céu, ainda com algumas faixas de sol no mesmo. O carro acelerou, e joguei um aceno mongol ao mesmo. Me virei e fui até o hall da casa, e pus a mão na maçaneta, e girei. Ainda não havia ninguém em casa, então tirei o bilhete da geladeira e joguei no lixo. Me deitei no sofá, e na manhã seguinte acordei na minha cama.

sábado, 7 de março de 2009

Capítulo II

Espectros de Sonhos




A noite passou mais rápido do que eu esperava. Pareciam ter se passado apenas minutos de conversa quando Sandro avisou que logo já passaria das duas. Não posso negar, foi bem divertido conhecer os amigos de Sofia. Eram todos animados e convidativos. Menos Allan. Ele estava sempre um pouco afastado de todos, e algumas vezes me fitava, logo dando um sorriso irônico e virando o rosto.
Sandro nos deixou em frente à nossa casa, e saímos do Chevette nos despedindo em um tom baixo. Vi-o indo com o carro até a casa ao lado e estacionando. Sofia olhou pra mim, e me puxou pelo braço para me apressar à entrar. Todas as luzes estavam desligadas, e supus que meus tios já estavam dormindo. Sofia fechou lentamente a porta e passou a chave, deixando-a encaixada na fechadura. Começamos a subir as escadas lentamente, para não fazer barulho. Antes de entrar no quarto, não pude evitar de olhar pela janela.
Por que aquela floresta me atraia tanto? Eu nunca fui de natureza, trilhas, nem nada assim! Isso me deixava intrigada.
- Gostou de todo mundo? – perguntou Sofia, agora sentando na cama, tirando os tênis que calçava.
- São todos muito legais, só... – deixei a frase no ar.
- Só o que?
- Allan.
- Ah, o Allan! – ela deu uma risada – Ele é novo aqui também, sabia? – era uma pergunta que não precisava de resposta, então ela continuou – Ninguém sabe de onde ele vem, nem nada. Semana passada Mauricio o trouxe pra nossa turma, disse que tinha conhecido ele num pub.
- Ah. Ele é meio quieto, não é?- Ela riu novamente, enquanto me olhava tirar as sandálias douradas amarradas no tornozelo – Que foi? Só estou dizendo o que eu acho!
Ela se levantou, indo pegar seu pijama no guarda roupa, enquanto eu procurava na minha bolsa uma camisetinha. Tirei o vestido e pus a blusa. Deitei-me na cama, e vi que Sofia já tinha se trocado e também já estava deitada.
- Posso desligar a luz?
- Pode, porque não?
- Me lembro que você tinha medo de escuro, Lily.
- Cale a boca e durma! – Retruquei, virando-me de lado, e ouvindo o riso dela.

Foi uma noite rápida e agradável. Quando acordei, fitei o teto de madeira branca, e já não me lembrava se havia sonhado. Provavelmente havia. Ultimamente eu não lembrava de mais nenhum sonho. Virei o rosto, olhando sonolentamente para a cama ao lado. Sofia já não estava mais dormindo. Procurei na minha mochila ao lado da cama meu celular, segurei e abri a tela para ver o horário. Não eram mais de sete da manhã, e o celular não tinha sinal, pra variar. Qual era o problema desse pessoal do campo? Porque acordar assim tão cedo e ainda viver sem celular, meu Deus! Eu não ia me acostumar com isso.
Esperei até que meu corpo se acostumasse com a idéia de que ia ter que se levantar dali a pouco. Sei que deitada ali, me espreguiçando de vez em quando, devo ter dado milhões de bocejos. Qual é! Eu acordo normalmente depois das nove! Eu sabia que não era obrigada a acordar na mesma hora que eles, pelo menos não por enquanto, nas primeiras semanas, mas mesmo assim achava falta de educação ficar roncando no quarto de cima, enquanto eles faziam preparos pro almoço, ou qualquer coisa do tipo no andar de baixo.
Levantei-me, por fim, depois de uns 15 minutos de violenta briga contra meu sono. Abri as cortinas da janela pra entrar uma luz no quarto. Me abaixei e peguei uma blusa larga na qual estava escrito “Make me happy”. Eu a tinha roubado da minha mãe no ano passado. Na época eu achava aquela blusa o máximo, agora eu não a usava fora de casa. Pus a blusa, e uma calça jeans clara que estava à mão. Fui ao banheiro do quarto e fiz o que tinha que fazer, nada que precise ser registrado.
Abri a porta do quarto e fui em direção às escadas.
-Tia? – chamei, olhando para o lado da cozinha enquanto descia as escadas e sentindo um cheiro bom de comida caseira.
- Estou aqui na sala, querida.
Desci as escadas de dois em dois degraus, e virei-me para a sala, sorrindo. Encontrei-a sentada no sofá, à frente da TV, anotando em um bloquinho alguma receita desses programas matinais. Andei até ela e me sentei a seu lado, beijando-lhe rosto.
- Como dormiu, Lilian?
- Muito bem, é tão tranqüilo aqui...
Ela deu uma risada baixa.
- É, você se acostuma. – Falou pra mim, e voltou a olhar para a TV, até que a interrompi.
- Onde está a Sofi?
- Está lá atrás no galpão, pintando.
- Pintando? – eu quis saber – O quê, a parede?
- Não, não! – Ela deu uma risada – Ela está pintando um dos seus quadros. Sempre pinta de manhã, quando sonha. Sabe, ela retrata os sonhos.
- Hum, vou lá dar uma olhada.
- É, vá sim.
Levantei-me, e Tia Julia voltou a observar a receita na tela da TV. Fui até a porta da frente e sai. Contornei a casa, e vi as portas que davam para o porão subterrâneo abertas. Não ouvia nada além de passos e pinceladas. Desci as escadas do porão, que agora era mais um estúdio de pintura, e vi Sofia de avental, em frente a uma tela que devia ter 1,30 m de altura e 2 m de comprimento. Estava com as mãos na cintura, e do pincel escorriam gotas amarelo-ouro para o chão.
- Sofia?
Ela soltou um gritinho e deu um pulo para trás, pondo a mão por cima do peito.
- AH! Quer me matar do coração, Lilian? Que horror!
- Er, me desculpe. – Falei meio constrangida, coçando a cabeça, e olhando para o chão.
- Ah, tudo bem, eu é que estava concentrada de mais, eu acho.
Olhando para o chão, vi que ele estava todo pintado com grandes gotas coloridas, como se pincéis gigantes tivessem caído por ali. Era bonito e caótico. Então levantei o rosto pra ver o que ela estava pintando na tela grande à sua frente. As bordas eram de um verde escuro que de vez em quando oscilava para um claro, e também alguns tons de verde quase preto. E no centro, um belo olho dourado planava. Parecia estar com raiva da primeira vez que eu olhei, mas então, na segunda, parecia triste, ou qualquer coisa nesse sentido.
- Ahn, - pigarreei, tirando ela de seus devaneios, olhando para a tela, concentrada – o que é isso?
- Ah, uma pintura. – fiz uma cara de debochada, e ela percebeu – Você diz, porque eu pintei isso?
- É, né!
- Não sei, sabe. Eu tenho tipo uns surtos. Eu pinto o que eu sonho. É tão rápido, tão real e tão...
- Perfeito. – completei a frase por ela, e Sofia levantou os ombros.
- Isso fica por você.
Examinei mais um pouco o olho dourado, olhando a quantidade de detalhes que ela tinha conseguido expressar ali na pintura.
- Posso ver os outros?- perguntei, tentando ser educada e não me meter na privacidade dela. – Se você não se importar, claro.
- Não seja boba, é óbvio que eu não me importo. Estão logo ali atrás da portinha – Ela apontou para um lugar atrás dela, uma portinhola de madeira velha.
Fui andando na direção apontada, tomando cuidado por onde eu pisava, pois havia algumas latas de tinta no chão, alguns pincéis e outros materiais de pintura. Pus a mão na maçaneta velha e empurrei a porta. Ali dentro, havia uma salinha que o antigo morador devia ter usado como adega. Não era tão pequena quanto eu esperava, e tinha telas escoradas pelas quatro paredes. Algumas penduradas e algumas no chão. Todas tinham os traços parecidos, assim como olho que Sofia estava pintando na outra sala. Tinham um toque de mistério; eram luas, lobos, e gramados com rosas.
Eu sentia um arrepio a cada quadro que via, eram absurdamente lindos. Fiquei observando a manhã toda, pelo que me pareceu, quando ouvi de leve o toque na porta da ex-adega, enquanto examinava os quadros, sentada ao chão.
- Ah, mamãe está chamando. – falou Sofia, olhando-me junto aos quadros – Pro almoço.
- Já é hora do almoço! - exclamei me pondo de pé – Quer dizer que fiquei a manhã toda examinando os seus quadros?
- Pura perda de tempo – ela deu de ombros. – Eles não vão sair daí mesmo. São apenas memórias de sonhos perturbados, é a única forma de eu conseguir tirá-los da minha cabeça.
- Você devia vendê-los. Ou pôr em exposição, sabe, ia dar algum dinheiro...
- Os sonhos são meus! As lembranças são minhas, e eu faço o que quiser com elas, entendeu Lilian?
- Me desculpe, eu só queria ajudar, eu não queria...
- Vamos subir, pra almoçar.
- Sofi! Por favor, não fique brava!
Ela estava brava, e eu podia ver isso. Almoçou de cabeça baixa, comendo rápido, e assim que terminou se levantou e foi para o quarto.
- Sofia, hoje é seu dia de lavar a louça, filha! – Falou tia Julia, enquanto a via subir as escadas correndo.
- Pode deixar que eu lavo, tia, não tem problema.
- Não sei o que essa menina tem. Toda manhã que ela passa pintando, volta assim, agressiva, brava e quieta. Mas logo depois do almoço tudo volta ao normal, sabe.
Assenti com a cabeça, enquanto recolhia os pratos da mesa, pensando nas imagens sombrias das telas. Me perguntava se alguma vez Tia Julia já tinha visto alguns dos quadros. Tinha certeza de que se tivesse visto, teria entendido.

Eram mais ou menos três da tarde, e eu estava vendo um programa de auditório, quando ouvi a campainha e fui obrigada a atender, pois estava sozinha em casa. Ao abrir a porta, Sandro e Mauricio estavam me olhando, com seus melhores sorrisos de simpatia no rosto. Sandro foi o primeiro a falar.
- Ah, oi Lilian.
- Boa tarde, meninos. – Sorri em resposta, olhando para os dois. – Ah, a Sofia não está, ela foi ao centro com a mãe dela.
- Ah... – Foi Mauricio que falou, em um tom decepcionado. – Íamos convidar vocês pra um piquenique. – Ele apontou para uma caminhonete preta, onde no banco do carona estava Luciane, que acenou pra mim. Na capota estavam as gêmeas, Allan e Tai, que sorriram em minha direção. – Mesmo assim, vem com a gente.
- É, Lilian, vem. Vai ser divertido.
E o que eu tinha a perder em sair com eles? Eles eram meus amigos agora, meus únicos amigos. E eu não podia desperdiçar a chance de tentar ser feliz ali, com eles. Eu precisava daquilo.
- Tudo bem, eu acho que tia Julia não vai ligar. Só me deixe fazer uma coisa. Me esperem no carro.
Eles assentiram e eu entrei em casa, pegando uma caneta e escrevendo em uma folhinha um recado para Tia Julia.

"Dei uma saída com o Sandro e o resto do pessoal. Volto antes do jantar. Beijos, Lily."


Colei o bilhete na geladeira com um imã e sai correndo pela porta, trancando-a antes de sair. Subi na capota da caminhonete e me sentei, sentindo o vento nos cabelos quando ela começou a andar.
- Onde vai ser o piquenique? – perguntei, ao ver o carro andar em campo aberto, pela grama, atrás da casa de Sofia, indo em direção à floresta.
- Não é óbvio? – disse Giovana, fazendo uma careta. Trajava um de seus vestidos curtos, só que dessa vez era azul claro. – Vamos pra floresta, o Allan disse que tem um espaço vazio bem no meio dela, e que é lindo, onde podemos nos sentar e fazer o piquenique. Não é maravilhoso?
Eu olhei pra ela, e ainda não sabia se a expressão de “vocês são malucos” estava impressa em meu rosto, pois ela ainda sorria, com os olhos brilhando. Mas eu acho que Allan reparou. Tocou no meu braço, dando um sorriso sarcástico.
- Não se preocupe, Lilian. – ele ainda sustentava o sorriso sarcástico no rosto, olhando-me de lado. – É perfeitamente seguro.
- Como você pode ter tanta certeza? – disparei contra ele, e ele levantou os ombros, dando indiferença;
- Eu mesmo me certifiquei disso.
Revirei os olhos, e olhei Diulia, que estava espremida em um canto da caminhonete, olhando pra ele com quem queria dizer “pare de se achar, garoto esquisito!”. Talvez eu quisesse dizer isso também, mas ao mesmo tempo não podia.
Acho que demorou quase dez minutos, ou menos, para atravessar o campo aberto até chegarmos à frente da floresta, onde começavam a se juntar árvores, até ela ficar densa o suficiente para ser escuro lá dentro, mesmo fazendo um sol dos infernos.
- Última parada: - anunciou Sandro, descendo do banco do motorista – Floresta Woodcarper!
Fiquei imaginando como eu nunca tinha percebido aquela floresta quando morava aqui ainda há alguns anos, porque não a percebera, ou porque agora eu me sentia tão atraída a ela, como se cada passo que eu desse – mesmo que estivesse segurando um pote de sanduíche de atum – fizesse meu coração disparar progressivamente, como que querendo abandonar meu corpo e fugir para um abrigo longe dali. Eu simplesmente não entendia o porquê, eu simplesmente...
-Não entendo como essa mochila pode estar tão pesada, Sandro!
Rugiu Luciane, pondo uma mochila de pano simples nas costas, enquanto eu balançava a cabeça, fugindo dos meus devaneios.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Capítulo I

Retorno



Sofia gritava meu nome enquanto eu chegava na carona da velha pick-up vermelha de seu pai. Ele tinha ido me buscar na rodoviária, onde eu acabara de chegar. Não via minha prima há mais de três anos. Ela sorria de orelha a orelha, assim como eu fazia. Me sentia tão feliz por revê-la! Era gratificante meu pai ter me deixado passar o verão e o último ano do colegial ali no campo, apesar de ser uma cidade pequena, que eu não estava mais acostumada. Já havia morado ali. E morar com os meus tios me fazia sentir perto da minha mãe.
- Lily! Lily!- ainda exclamava Sofia, enquanto corria para fora da casa branca de madeira, indo de encontro à caminhonete – Lily, é tão bom vê-la de novo!
Abracei-a com força. Notei o quanto ela estava crescida, estava quase da minha altura! Mesmo que ela sempre tenha sido mais baixinha do que eu...
- Sofia, quanto tempo, saudades! – Eu falava enquanto examinava o rosto dela, ainda sorrindo para mim. Ela começou a me puxar pra dentro de casa, que como pude observar, ainda estava do mesmo jeito como eu tinha visto pela ultima vez, há três anos. Sofia falava algo sobre o quarto que íamos dividir, e que ela mesma tinha decorado. – Calma, calma! – exclamei - Deixe-me pegar minhas bagagens primeiro.
- Bobagem, querida! – disse meu tio Bernardo, olhando para nós – Pode deixar que eu as levo lá pra cima mais tarde. Só não se esqueça de dar um alô pra sua tia na cozinha, não sabe o quanto ela esperou por hoje, sente tanto sua falta...
Não sabia se isso era pra me deixar atordoada, arrependida de ter ido embora num momento tão difícil ou de ficar feliz por ter voltado.
- Claro, tio Ben, sem problemas. – Eu sorri cordialmente para ele, e ele retribuiu com uma piscada para mim.
- Lilian, minha princesinha! – Minha tia estava de braços abertos em frente à porta, sorrindo para mim. Dei-lhe um abraço sincero.
- Olá, tia Julia!
Não importava quantos anos eu tinha, ela sempre me chamou de princesinha, na frente de quem bem entendesse. Às vezes era constrangedor, porque eu já estava prestes à fazer 17 anos. Mas tudo bem, eu não podia fazer nada. Talvez um dia eu fizesse isso com uma sobrinha minha, ou algo parecido...
- Lily... – gemeu Sofia, encostada à porta da cozinha, fazendo bico e cruzando os braços.
- Sofia, acalme-se, filha! O quarto não vai fugir.
- Mas mãe...! – protestou ela, batendo o pé no chão, ficando mais emburrada ainda.
Eu ri, e minha tia falou algo, em tom baixo, de que talvez fosse possível ela explodir se eu não a seguisse e olha-se o quarto novo dela, que agora me pertencia também. Então, Sofia e eu corremos escada acima, produzindo barulhos infernais nos degraus velhos, e fazendo tia Julia gritar “Pare de pular nessa escada, Sofia, você ainda vai quebrar essa porcaria!”. Sofia foi à frente no corredor comprido, onde haviam quatro portas, duas de cada lado. Ela abriu a porta do último quarto à direita do corredor. Eu já ia entrando atrás dela, quando olhei pela janela no final do corredor a vasta floresta que se localizava atrás do quintal aberto da casa.
- Essa floresta é enorme... - falei comigo mesma, à frente da porta do quarto, olhando pela janela.
- Então, o que acha?
- Ahn?
- O quarto! – falou Sofia, revirando os olhos e cruzando os braços contra o peito.
- Ah, sim! – Exclamei, voltando à minha empolgação de antes. – Ele ficou magnífico, Sofi. Essa cor realmente combina com você! – Observei as cores azul-clara e verde-musgo que tinham a parede, separadas em listras verticais. Os olhos de Sofia tinham os mesmos tons. Ela riu para mim, deitando-se na cama da direita, que tinha a colcha azul, e logo me sentei na cama da esquerda, que tinha a colcha verde-musgo.
- Foi Mauricio que deu a idéia. No começo eu achei meio idiota, sabe? Mas até que ficou legal. – Ela abraçou seu travesseiro.
- Mauricio, é?! Seu namorado?- Arrisquei. Antes que eu percebesse, ela jogou o travesseiro ao qual estivera abraçada em minha direção, indo de encontro ao meu rosto. Senti-o contra a face e ri, deitando na cama. Ela pareceu realmente enfurecida com o que eu tinha dito, e isso só me fez rir mais.
- Mauricio é meu amigo desde que você foi embora com seu pai, ‘tá bom?- ela enfatizou as palavras “seu pai”.
- Pare de birra, eu só estava brincando, Sofi. Mas me conte como andam as coisas, colégio e tudo o mais.
Eram seis horas da tarde quando começamos a conversar sobre o que tínhamos feito de nossas vidas, até mais ou menos às nove da noite, quando ouvimos vozes de mais pessoas lá em baixo e tia Julia nos chamando pelo nome para descermos pra jantar.
- Já estamos descendo, mãe! Aposto um dólar que ela chamou o San e os pais pra jantarem com a gente. Ela sempre faz isso quando alguém da família aparece. Minha mãe se orgulha muito de ter eles como vizinhos, e quase irmãos, na verdade.
Eu sabia que ela estava falando, mas não ouvia direito.
- San? O Sandro Tyler?
- Ah! Você se lembra do Sandro! Ele também é um grande amigo meu, sabe, ele tem carro. E a irmãzinha dele, Lina, sempre fica aqui em casa pra tentar brincar comigo, é um saco! Cara, eu tenho 16 anos! Eu só cuidava dela ano passado e ela acha que somos melhores amigas, aquela pirralha de 8 anos.
- Ah, não acredito que ele ainda está morando aqui! Nós trocamos e-mails esse ano, e ele disse que nos veríamos em breve, mais não imaginei que ele fosse jantar na sua casa hoje! Tratante. - Ela riu de mim, e deu uma olhada no espelho de sua cabeceira, passando os dedos em seus cabelos lisos e loiro-mel claros amarrados em um rabo de cavalo reto. Lá do andar de baixo, ouvimos tia Julia chamar nossos nomes outra vez.
- Nossa casa. – e piscou pra mim, com um sorriso no rosto.
- Meninas! Os convidados já chegaram. – falava numa voz harmoniosa, quase cantante, e provavelmente um sorriso se expandia por seu rosto quando Sofia apareceu na porta, também sorrindo para sua mãe, falando:
- Nós já vamos descer mamãe, acalme-se. Lilian está se trocando, e... - dando uma pequena pausa, continuou – aposto que eles não se importarão de esperar mais alguns minutos.
- Ela tem toda a razão senhora Simon, não se preocupe. – bradou uma voz masculina no andar de baixo.
Sofia fechou a porta e andou até seu guarda roupa antigo tingido de verde-musgo. Abriu as portas, e assim pude observar quantas roupas ela tinha ali, e eram muitas!, de todos os jeitos. Apesar de ela morar ali, numa cidade pequena, tinha muitas roupas, todas bem bonitas, e algumas até bastante extravagantes. Não era a mesma Sofia quietinha e simples que um dia eu conheci, mas até que eu gostava mais dela desse jeito mais... alegre. Ela jogou um short-jeans cor-de-rosa e uma blusa roxa com detalhes em prata por cima da cama, e começou a despir a roupa que usava. Ao olhar para as costas de Sofia, pude observar uma cicatriz fina, porém longa, que começava no início de sua nuca, fazendo uma curva para a esquerda, e logo voltando ao meio das costas, acabando no final da lombar. Não me lembrava de Sofia ter aquela cicatriz antes de eu ter deixado de morar ali.
- Sofia, o que é isso? – Não pude conter a pergunta indelicada, apontando para as costas dela. Ela pôs a blusa rapidamente, como se quisesse esconder logo suas costas nuas de mim. Deu um sorriso meia boca e começou a colocar o short.
- Não é nada importante. - e logo falou algo, como se quisesse me distrair - Vista-se logo!
Ela jogou em minha direção um vestido branco, com estampas de flores vermelhas e amarelas. Peguei-o. Tive de admitir, era realmente bonito, mas não tinha nada a ver com o estilo calça-jeans-e-blusa-básica.
- Sofi, eu tenho minhas roupas!
- É um presente da prima do interior. – mostrou a língua e sorriu.
- Pare com isso, é seu! – Quando falei isso ela revirou os olhos para o teto, como o de costume, desamarrando os cabelos lisos num corte reto, que iam até o final das costas, e imaginei que se ela estivesse com as costas ainda nuas ou algo parecido, esconderia a enorme cicatriz.
- Não viu que está com etiqueta, Lily? Eu comprei pra você há uma semana, só que me esqueci de embrulhar. Não se importa, não é?
Eu olhei para o vestido, e o botei à frente do corpo. É claro que eu não me importava, e eu demonstrei isso, vestindo-o para descer ao jantar. Ao contrário dela, prendi meus cabelos castanho-avermelhados numa trança básica que corria por minhas costas. Vesti uma sandália dourada que era amarrada aos tornozelos.
Sofia abriu a porta e começou a descer as escadas, e eu fui logo atrás dela. Entramos na sala, onde a família Simon e a família Tyler estavam reunidas, sentadas ao sofá, conversando. Quando entramos, parecia que eles estavam recebendo a família real, pois todos se levantaram ao mesmo tempo e pararam de conversar. A primeira a se pronunciar foi Daiane Tyler, que tinha me visto nascer, literalmente. Ela tinha feito meu parto, não que isso tenha importância.
- Lilian, como você cresceu!– Ela veio ao meu encontro, e me abraçou com muita força. Não que eu não estivesse gostando, mas ela era uma mulher grande com muita força. Estava me sufocando.
- Mãe, você está esmagando a garota! – Exclamou San, tocando o ombro da mãe, com um sorriso quase irônico no rosto.
- Oh! Desculpe Lily, me empolguei.
- Não precisa se desculpar. Não foi nada, tia. Eu senti sua falta.
- Eu também, querida.
Não deu tempo nem pra piscar os olhos, e Lina já estava abraçando minhas pernas e minha cintura, sorrindo pra mim. Era incrível. Apesar de Sofia ter me falado que a garota tinha 9 anos, ela tinha cara de 6, 7 anos no máximo. Era tão pequenina. Passei-lhe a mão nos cabelos loiro-quase-brancos e sorri de volta.
- Lina, querida, como vai? – falei, tentando parecer ser simpática com a menina.
- Ótima, obrigada. Pode me chamar de Li. – Pelo jeito que falava, parecia ser uma criança realmente inteligente (apesar da altura e feições de ingênua). Isso poderia ter me assustado, se eu não tivesse sido babá de trigêmeos prodígios.
- Claro, Li. – sorri.
Olhei para San e dei um sorriso torto, e logo o vi abrindo os braços e me envolvendo em seu abraço. Ora vamos, San não era um cara meigo e pequeno, muito pelo contrário, era grande e forte. Ali no seu abraço pude até me sentir protegida de qualquer coisa. Logo ele falou no pé do meu ouvido uma coisa que eu odiava, sem dúvida nenhuma.
- Pirralha.
- Panaca. – revidei.
Ele riu, e eu também não pude conter um sorriso maroto.
- Então, vamos para a mesa de jantar, porque está esfriando! – tia Julia falou num tom sorridente - Temos carne assada e macarrão ao molho. – deu uma pausa e olhou pra mim, quase apreensiva - Você gosta, não é, Lily?
- Ah, claro. – dei de ombros, sorrindo, um pouco envergonhada pela pergunta, que me fazia ser o centro das atenções.
Fomos todos para a sala de jantar e nos sentamos à mesa. E mesmo que eu tenha protestado que minha tia me servisse, ela o fez, botando muito mais do que eu estava acostumada. Acho que San percebeu isso, por quase rir ao notar minha expressão de “Como escalar essa montanha?”, ao ver o prato cheio até a borda. Ele sussurrou um “boa sorte” que me fez rir e engasgar, e isso fez todos rirem.
Logo depois do jantar, todos nós nos sentamos na sala de estar, conversando. Tia Julia e Daiane conversavam sobre receitas, e sobre o novo corte de cabelo de uma tal de Didi, que logo me lembrei ser a mãe de Bianca, uma ruivinha que sempre arranjava encrenca quando éramos menores. Tio Bernardo assistia a um jogo de futebol ao lado de Sandro, que na verdade não estava prestando atenção ao futebol e sim à conversa que eu e Sofia estávamos tendo sobre o novo ano letivo que começava dali a um mês. Logo Sofia parou de falar, e olhou sorrindo para San. Era aquela cara que eu conhecia bem, que ela fazia quando tinha uma idéia.
-Sandro, você comprou um novo caro, não é?
- Sim, comprei. É um Chevette 80 usado, mas ‘tá em ótimas condições.
- Não quero saber o modelo, só se você quer nos levar pra dar uma volta.
- Claro, porque não? – sorriu para mim.
Sofia logo se virou para a mãe e, sorrindo, começou a falar melosamente:
- Mãe, mamãe! Podemos dar uma volta no Chevette do San? Quero apresentar meus amigos pra Lily. Podemos, não é?
Uma vez que eu era a pivô do joguinho de Sofia, com a desculpa (que também era verdadeira) de me apresentar para os amigos de minha prima, minha tia não pode recusar o pedido.
- Claro, porque não? – deu uma breve pausa, pigarreando - Mas voltem antes das... – deu uma nova pausa, agora para observar o relógio em seu pulso, vendo que já eram onze horas passadas – das duas. Se voltarem depois disso, você sabe muito bem as conseqüências, Sofia.
- Obrigada, mãezinha!
Sofia estendeu seu melhor sorriso de boa moça e deu um beijo no rosto da mãe, que sussurrou um “juízo!” que toda mãe preocupada sempre fala. Vi Sofia fazer uma careta, e dei uma risada baixinho. San já estava à porta, esperando por nós.
- Vamos, Lily! – chamou Sofia, que agora já estava ao lado de San.
- Só um minuto, vou pegar um casaco.
- Corre!
Corri escada acima, percorrendo com o dedo indicador o corrimão de madeira pintado de branco, e atravessei o corredor num pulo, indo em direção ao quarto onde eu e Sofia estávamos dormindo.
Antes de entrar no quarto, vi a janela do fim do corredor aberta, e resolvi fechá-la. Alguém devia tê-la aberto mais cedo para deixar um ar correr pela casa e a esquecera aberta. Ao botar meus dedos contra a madeira para puxá-la pra baixo, enxerguei em meio ao negrume um ponto brilhante, que identifiquei ser dentro da floresta.
Brilhava numa forte luz branca, que logo, lentamente foi diminuindo até desaparecer no mar de escuridão. Um grito de Sofia me tirou do devaneio da luz, fazendo-me levar um susto.
- VAAAMOS, LILY!
Fechei a janela num baque surdo, e olhei a floresta pelo vidro. Falei em resposta, mas duvido que ela tenha ouvido pelo tom baixo que eu usei.
- Já estou descendo...
Peguei o primeiro casaco que encontrei, e depois percebi que por pura sorte ele era vermelho e combinava perfeitamente com o vestido.

Estávamos andando com o carro para o centro da pequena cidade, até que paramos ao lado de um grupo de adolescentes mais ou menos da nossa idade. Estavam todos agrupados à frente de um prédio, conversando num bolinho, e um garoto ao lado do grupo, encostado na parede, fumava um cigarro.
Sofia botou a cabeça para fora, seus cabelos loiros dançaram com o vento que cortava a noite. Chamou pelo grupo, que olhou em direção ao carro, logo bradando pelo nome de Sandro e de Sofia. Ouvi-os ao mesmo tempo em que San desligava o carro e Sofia pulava para fora dele com toda a elegância que tinha.
O grupo era composto por três garotas e três garotos. As duas garotas mais próximas a mim eram gêmeas idênticas, apesar de seus estilos serem bem diferentes.
- Essas aqui são as gêmeas, Lily. – Ela apontou para a primeira, que usava uma maquiagem pesada, com um batom vermelho, e vestia um vestido curto que balançava com o vento – Essa é a Giovana, e essa – apontou para a outra, com um estilo mais meigo e comportado, com uma calça jeans e uma blusa florida – é Diulia...
Era estranho ver os rostos tão parecidos em situações e expressões tão diferentes, mas ao mesmo tempo era divertido. Depois olhei para a outra menina que estava de braços cruzados, com uma calça jeans vermelha, e uma blusa justa preta com os escritos “Kill your self” (mate-se). Tinha o cabelo preto curto e desfiado, com algumas mechas rosa sobre a franja comprida. Ela sorriu pra mim, dando um aceno simpático, e eu retribui o gesto. Logo Sandro chegou ao lado da garota, e passou o braço pelos os ombros dela.
- Essa - falou Sandro – é Luciane, minha namorada.
- Ah. Hum, prazer. – sorri, e não sei por que naquele momento me senti um pouco constrangida.
Ela segurou o sorriso no rosto, mas não falou nada, então me virei de novo para Sofia. Ela pegou na minha mão e me levou para mais perto de onde os dois garotos conversavam.
- Esse é Tai, - o garoto que ela apontou fez uma breve reverência para mim, e eu sorri para ele. Ele tinha os olhos puxados e os cabelos arrepiados - e esse aqui é o insuportável que eu falei. Mauricio - Não me lembrava de nenhuma insinuação de insuportável. O garoto a puxou pela cintura e lhe deu um beijo no rosto.
- Insuportável? É assim que me trata pelas costas?
- Olá, Mauricio.
- Olá, prima Lilian da cidade.
Olhei para Sofia e ela levantou os ombros, tentando se defender, com um olhar que devia dizer “eu falei sobre você, e daí?”. Eu balancei a cabeça, sorrindo. Logo Mauricio se juntou a Tai, e eu puxei Sofia para o lado, e olhei de canto para o garoto que terminava seu cigarro.
- Quem é aquele ali?
- Ah, aquele ali é...
Mas o próprio garoto se desencostou da parede, e levantou uma das mãos, enquanto dava uma última tragada no cigarro. Pegou a bituca, jogou-a ao chão e pisou na mesma, andando até nós.
- Permita que eu mesmo me apresente. – Ele passou os dedos pelos cabelos bagunçados e negros, e sorriu com perfeição. – Me chamo Allan.
- Esse é o nosso Allan.



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P.s.: da autora: Finalmente, depois de tanto enrolar, postei o Primeiro Capítulo.
Espero que gostem, afinal. Ah, e por favor, comentem.
P.s²: Texto corrigido, editado e tudo mais pelo Allan, que está me ajudando agora.
:)

Francis.